A famigerada Passeata Contra a Guitarra Elétrica

Com o slogan “Defender O Que É Nosso”, a “Passeata da MPB”, que ficou conhecida como a “Passeata Contra A Guitarra Elétrica”, aconteceu em 17 de julho de 1967, em São Paulo, saindo do Largo São Francisco e desembocando diretamente no Teatro Paramount, na avenida Brigadeiro Luís Antonio, onde ocorreria o programa Frente Ampla da MPB.

Liderada por Elis Regina, mais as presenças de Jair Rodrigues, Zé Keti, Geraldo Vandré, Edu Lobo, MPB-4, e até Gilberto Gil, que entrou de gaiato, essa passeata colocava em confronto 2 tendências, uma conservadora e outra renovadora. Em entrevista a Júlio Maria, no C2+m/Entrevista, O Estado de São Paulo, de 28 de janeiro de 2012, Gil conta que era atraído por Elis, por quem era apaixonado : “…Eu participava com ela daquela coisa cívica, em defesa da brasilidade, tinha aquela mítica da guitarra, como invasora, e eu não tinha isso com a guitarra, mas tinha com outras questões, da militância, era o momento em que nós todos queríamos atuar. E aquela passeata era um pouco a manifestação desse afã na Elis”.

Diz ainda, “…Caetano não quis participar porque aquilo tinha um resultado negativo, negava uma série de coisas que a ele interessava afirmar naquele momento. No meu caso, eu saí desse jogo. Não quis fazer esse jogo, se eu fosse colocar como termo da equação essas questões e tirar a Elis da equação eu não teria ido. Mas eu fiz o contrário, eliminei todos os outros termos da equação e deixei ali só a Elis. Determinei meu ato, pautei meu ato por aquela questão. A questão era ela. Eu nada tinha contra a guitarra elétrica”.

Naquele momento, Caetano estava com Nara Leão na janela do Hotel Danúbio, observando a passeata que “mais parecia uma manifestação integralista”, segundo Nara.

Isso tudo logo após o lançamento do álbum “Sgt Pepper’s…” (1 de junho de 1967), dos Beatles, grande influência para Gil e Caetano. Mas consta que a passeata era uma manobra da TV Record, para promover seu “O Fino da Bossa”, estrelado por Elis Regina, que estava perdendo popularidade para a Jovem Guarda, da mesma emissora.

Pouco tempo depois, em outubro de 1967, aconteceria o III Festival da TV Record, histórico, porque foi aí que se revelou a renovação da MPB, via uma ação que podemos chamar de antropofágica, através de Caetano e Gil, isto é, engolindo as influências, Beatles, Rolling Stones, psicodelia, rock, e vomitando o pré-tropicalismo, com canções e arranjos abertas a todas as influências, e destronando aquela imbecilidade e caretice que foi a passeata. Caetano Veloso se apresentou com os Beat Boys (banda de rock argentina)

e Gil com os Mutantes,

https://www.youtube.com/watch?v=gstk1W9gv8I

certamente um dos momentos mais lindos e efervescentes de nossa história musical.

O 1º lugar ficou com “Ponteio”, de Edu Lobo, em 2º foi “Domingo no Parque”, de Gilberto Gil, em 3º ficou “Roda Viva”, de Chico Buarque e em 4º lugar ficou “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso.

Mesmo sob a ditadura militar, esse foi o momento que rompeu barreiras conceituais e políticas que alavancaram e multiplicaram as possibilidades da MPB, com guitarra e tudo. Com tudo isso, o programa da Jovem Guarda, que representava o que chamavam de ‘música jovem’ (leia o texto de Sofia Carvalhosa, Essas Bárbaras Guitarras ElétricasPrimeiro Toque nº 11, Editora Brasiliense (out-nov-dez 1984, publicado no blog Tarati Taraguá), começou a declinar em popularidade, não de sua importância histórica. Basta lembrar algumas obras que vieram na sequência, após o festival:

Em 1968 – Tropicália ou Panis e Circenses – com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Nara Leão, Torquato Neto, Tomzé, Os Mutantes, mais arranjos de Rogério Duprat.

No mesmo ano saiu um álbum solo de Caetano Veloso, aliás, seu primeiro.

Em 1971 – saiu outra obra prima – Clube da Esquina – com Milton Nascimento, Lô Borges, Wagner Tiso, e me perdoem se eu estiver esquecendo de mais alguém.

Em 1972 – o maravilhoso Acabou Chorare – Novos Baianos

Em 1973 – mais um clássico – Secos & Molhados

Todas essas obras estão entre os 10 maiores álbuns brasileiros de todos os tempos, e todas têm em comum o mesmo DNA.

Veja também trailer

A Labareda que Lambeu Tudo :

https://www.youtube.com/watch?v=rMvX-DaKGg4

12 comentários sobre “A famigerada Passeata Contra a Guitarra Elétrica

  1. Marco 18/12/2012 / 18:26

    Me admira muito Gilberto Gil tecer um comentário desses, que teria participando da passeata somente por idolatria a Elis Regina. E seus ideais e sua postura como músico? Mais ridículo foi ele nunca ter deixado de usar guitarras em sues shows depois disso.

  2. elton 12/01/2013 / 10:12

    O Chico Buarque tbém tava na passeata não é?

  3. Druca Fate 13/02/2013 / 9:20

    Só os tolos podem acreditar que a razão da passeata era meramente ideológica. Claro que a razão principal era mercadológica. O próprio texto ratifica-o. Havia, à época, perda de espaço da chamada M”P”B para a chamada Jovem Guarda (música que, a partir do rock ‘n’ roll americano, passando pelo rock inglês – via Beatles – instalou-se como movimento, no Brasil). Aliás, todo país livre em todo o mundo teve a sua Jovem Guarda. Mas, a chamada M”P”B “decidu” que o Grande e Superior Brasil ñão poderia ter a sua Jovem Guarda. Engraçado é que não combatiam a bossa-nova que usava a guitarra elétrica e tinha letras que poderiam ser consideradas alienantes, também (“O Pato”, por exemplo). Lamentável.

  4. Edu 05/09/2014 / 5:10

    eu me pergunto se este tipo de imbecilidade só ocorre no Brasil…lamentável.

  5. Jaerte Antonio Junior 27/10/2016 / 14:22

    Gente,eu não vou julgar a Elis por ter feito essa Passeata,foi uma coisa daquela época,tanto que depois ela se desculpou com o Gil e o Caetano(que inclusive defendeu ela no Festival da Phono 73,quando ela foi acusada de ter apoiado o Regime Militar e chegou a gravar a dupla Roberto e Erasmo Carlos),eu li o livro sobre a Tropicália,muitos viraram a cara pra eles,inclusive o Edu Lobo e o Geraldo Vandré que chegou a ser grosseiro com a Gal Costa,mas também pediu desculpas,ao Caetano,pois ambos estavam no Exílio,assim como o Edu Lobo,Gil,Chico Buarque,até a Elza Soares e o Garrincha tiveram que sair do Brasil naquele tempo,pois é o mundo dá voltas.

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